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Espaço com iniciativas empreendedoras, inovação, ideias, startups, negócios de sucesso de pessoas que superaram obstáculos e criaram soluções.

Empreender na crise: coragem e criatividade para surfar a onda das oportunidades

Rede Catraca
BIA VITAL em 22 DE FEVEREIRO DE 2016 ÀS 14:00
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Texto e Arte: Beatriz Vital

“Na quinta série, fazia pulseiras e vendia na escola. Com 14 anos, passei a prestar serviço de fazer mapas astrais. Cursei três anos de Engenharia Aeronáutica e, para o espanto de todos que me conheciam, resolvi abandonar o ITA. Prestei Engenharia Civil na Unicamp. Passei. Abandonei a segunda faculdade depois do primeiro dia de aula e tive a certeza absoluta de que não queria fazer Engenharia. Vendi joia, mas não deu certo. Cantei em barzinho, tentei virar músico. Abri um cursinho pré-vestibular; em dois anos chegamos a ter cerca de 200 alunos e a um gasto que era maior do que a receita. Depois que o cursinho quebrou, atolado em dívidas, resolvi voltar para a Unicamp e cursar Química. Trabalhei em agência de propagandas, dei aulas de Química, coordenei outro cursinho. Nesse meio tempo, abandonei o curso de Química e resolvi fazer um de Química e Física integrados. Larguei em poucos meses. Já vendi camiseta com desenhos que eu fazia, fiz festa em playground de escola. Fiz um curso de Bolsa de Valores e investi. Botei dinheiro lá e perdi. Hoje minha empresa, em 12 meses, conquistou 7000 alunos e cresceu 1200%” - Conrado Adolpho, atua na área de marketing digital e educação empreendedora, 42 anos.

 

“Para mim é fácil voltar. O meu segmento passou a ser mais reconhecido em 1929, nos Estados Unidos, então eu fui herdando as técnicas e, quando o cenário é propício, eu as aplico. Algo que me preocupa é o fato de que sempre tem muita gente querendo acabar comigo. Em um episódio marcante, em 2008, deixei que achassem que tinham me superado facilmente, mas aguardei ansiosamente, porque eu sabia que era só uma questão de tempo até que todas as decisões, toda a conjuntura fossem favoráveis e que as pessoas voltassem a falar de mim. Já tive muitos altos e baixos. Passei a última temporada na Europa, mas agora estou de volta ao Brasil” - Crise Econômica, atua na área social, política e econômica, muitos e muitos anos de vida.

 

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Pode não parecer, mas Conrado e a Crise Econômica têm muito em comum.

 

Conrado Adolpho enfrentou as estatísticas sociais e econômicas pré-definidas para o seu perfil de cidadão brasileiro. Nasceu pobre no Rio de Janeiro, perambulou por cidades como Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo. Viajava e mudava de residência para se descobrir internamente, até que ‘se encontrou’. Campinas foi a cidade que o acolheu e onde ele pôde se tornar uma das referências de marketing digital da internet.

 

A Crise Econômica também desafia os números, com os quais nutre uma relação de amor e ódio: ora eles sobem, ora descem, e esse zigue-zague conduz o ritmo de sua existência. Enquanto muitos buscam estabilidade financeira, a Crise desequilibra, gera instabilidade e insegurança, sentimentos que acompanham todo empreendedor no início da carreira.

 

Além de compartilharem alguns momentos, histórias como as de Conrado e as das Crises Econômicas revelam que essas personagens se dão muito bem com o empreendedorismo, por sempre alçarem voos para além dos limites que lhe são impostos. Adolpho, assim como muitos outros empreendedores, fogem dessa normalidade e pagam por isso (para o bem e para o mal).

 

De acordo com a pesquisa “Global Entrepreneurship Monitor - Empreendedorismo no Brasil”, realizada, em 2014, pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e com o Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGVcenn), 34,5% da população brasileira entre 18 e 64 anos inserem-se na categoria de empreendedores.

 

Mas o que vem a ser esse personagem econômico e social que representa mais de um terço da população?  Um ponto de partida para compreendê-lo pode ser uma definição como a do Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis: Em.pre.en.de.dor (empreender + dor) = 1 Que empreende. 2 Que se aventura à realização de coisas difíceis ou fora do comum; ativo, arrojado. E não é que Conrado e sua história parecem se encaixar perfeitamente nessa definição?

 

Atualmente formado em Marketing (ufa!), com especialização em Economia e MBA em Estratégia Empresarial, Conrado Adolpho é autor do livro Google Marketing e fundador da Webliv, uma empresa que promove cursos com conteúdos que o ensino tradicional não contempla, mas que contribuem para o desenvolvimento do ser humano. Na grade figuram, por exemplo, “Como se alimentar melhor para ter um corpo são e uma mente sã”, ou “Como lidar melhor com seus filhos com uma parentalidade responsável e ativa”. Como o próprio nome da empresa sugere – “Webliv” faz alusão à frase em inglês “We Believe” = “nós acreditamos" – a mais recente empreitada de Conrado parte da ideia de que “o empreendedorismo pode transformar a sociedade quando promove a realização profissional e a sustentabilidade financeira”.

 

Para o empresário, a principal característica do empreendedor é a ‘resiliência’ e, a se basear no resumo, apresentado acima, das inúmeras atividades realizadas por ele ao longo da vida, o preceito é seguido à risca. Henry Ford, fundador da Ford Motor Company, também parecia compreender a atividade empreendedora da mesma forma: segundo ele, “as pessoas não fracassam; elas simplesmente desistem”.

Foto: Reprodução

Mas não basta persistir; é preciso inovar. E foi em 1950 que o economista Joseph Schumpeter falou de inovação, definindo o empreendedor como alguém que faz novas combinações, gerando produtos, serviços, métodos ou mercados novos. A isso ele deu o nome de ‘destruição criativa’, ou seja, um impulso de novas proposições e reformulações que mantêm o sistema capitalista funcionando e em constante reinvenção.

 

Se o empreendedorismo e seu protagonista, o empreendedor, alinham-se com os princípios da criação e da renovação, assim como se pautam pela busca do novo e da superação das dificuldades, as crises, independentemente do tipo, representam o desequilíbrio, a fuga da conformidade: o namorado traiu? crise no relacionamento; não choveu? crise hídrica; alguém do governo é acusado de corrupção? crise política. “Toda e qualquer mudança brusca ou alteração significativa em qualquer acontecimento deflagra crise”, avalia o economista e empresário Ricardo Rocha, que estuda todos os dias os problemas econômicos e administrativos trazidos por clientes que procuram a Planegi Consultoria Empresarial, empresa da qual é diretor.

 

A crise econômica é o resultado de dois momentos do ciclo econômico a que estamos sujeitos: a recessão e a depressão, afirma a economista Aline Correia.“Enquanto o boom caracteriza-se pelo momento em que uma economia cresce até atingir o pico de sua expansão, a recessão é o período em que o nível de atividade econômica cai. Quando essa contração atinge o ponto mínimo, o país está na depressão. Quando a economia volta a se recuperar, o país está na fase de recuperação”, explica a especialista, que também é doutoranda em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade de Campinas (IE/UNICAMP) e professora de Economia nos cursos de Eventos e Gestão Comercial na Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC Ipiranga).

Tão importante quanto perceber os sintomas decorrentes da crise, como aumento de preços e diminuição nos investimentos, é preciso entender que fatores a determinam e como ela deve ser compreendida e enfrentada.

A onda da crise

A crise econômica é uma filha pródiga, pois “à casa sempre torna”. Para oficializá-la com rigor, alguns índices e estudos técnicos devem ser consultados. O economista Fernando Pinho, pós-graduado em Psicologia Econômica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Mestre em Finanças pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma que há diversos parâmetros para se definir um quadro de crise, dentre os quais se destaca a inflação. No Brasil, por exemplo, a inflação atingiu o índice de 10,67%, em 2015 ─ o maior desde 2002, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E o que isso significa?

Além da inflação, o Produto Interno Bruto (PIB) em termos reais, ou seja, descontada a inflação de um período, é outro a ser avaliado para determinar se um país está em crise. “Quando um país apresenta queda do PIB por dois trimestres seguidos, pode-se afirmar que ele se encontra em ‘recessão técnica’ naquele momento”, avalia a economista Aline Correia.

 

Os dados oficiais do IBGE sobre o PIB brasileiro do ano de 2015 serão divulgados apenas em março (2016), mas a estimativa do Banco Mundial é de que houve uma retração, ou crescimento negativo, de 3,7%. Para 2016, a previsão é de recuo de 2,5%, o que indica um cenário de recessão econômica, segundo Ricardo Rocha.

 

O índice da Bolsa de Valores, o desemprego e a taxa de câmbio complementam a lista dos principais fatores que revelam a existência de uma crise econômica. Este primeiro é um termômetro do investimento de capital externo nas empresas nacionais. O desemprego, por sua vez, é um reflexo da inflação, pois como os custos de produção ficam mais caros, as empresas demitem os trabalhadores a fim de cortar gastos. No terceiro trimestre de 2015 (junho, julho e agosto), a taxa de desemprego no Brasil era de 8,7%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE.

 

A taxa de câmbio completa a lista dos principais fatores que delineiam uma crise econômica. Com o dólar na casa dos quatro reais, as possibilidades de ganho hoje são muito maiores para quem exporta do que para quem importa. “Quando as empresas começam a exportar muito, começa a ter uma migração dos produtos internos para fora. Começa a faltar produto nas prateleiras e os preços sobem, principalmente os das commodities, que são os produtos de primeira necessidade e da linha agropecuária, como o leite, o trigo, a carne”, complementa o economista Ricardo Rocha.

 

Quando analisados de maneira ampliada, a inflação, a queda no PIB, o aumento do desemprego e a taxa de câmbio relacionam-se direta e indiretamente e explicam a crise econômica brasileira, à qual se soma uma crise política e de confiança no país, avalia Ricardo. Para ele, a origem desse problema está na falta de estratégias e de investimentos em infraestrutura que garantam o crescimento econômico e como consequência direta, temos uma desaceleração da entrada de novos empreendedores no mercado.

 

Para a professora Aline Correia, há uma mudança das expectativas dos agentes econômicos que implica a criação de um cenário pessimista, o qual contribui ainda mais para a retração no nível de atividade econômica do país. “O empreendedor está com receio de perder o seu capital inicial ao abrir um negócio, diante do quadro econômico recessivo que está instaurado no Brasil no momento atual. Por sua vez, o credor tem medo de emprestar, tanto para o investimento como para o consumo, em função do aumento da inadimplência, o que o leva à contração do crédito, bem como ao aumento da taxa de juros, às restrições para empréstimo etc.”, complementa. Uma amostra desse cenário de retração é a queda de 60% na abertura de novas empresas, em 2015, como constata a contadora Neide Nascimento.

 

Mas, “enquanto uns choram, outros vendem lenço”. A frase, de autoria desconhecida, revela a dualidade “crise x oportunidade”. Se alguns derramam lágrimas, vitimados pela falta de capital e perda de fôlego dos negócios, outros se lançam neste mar de intempéries e conseguem 'surfar na onda da crise', que é também uma onda de oportunidades.

Quem se aventura nesse swell?

Sim, o empreendedorismo é uma saída para períodos de crise econômica, mas para aqueles que estão prontos para 'surfar a onda’, como diria Fernando Dolabela, professor da Fundação Dom Cabral e consultor da Confederação Nacional da Indústria/Instituto Euvaldo Lodi Nacional (CNI-IEL), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Agência de Educação para o Desenvolvimento (AED). Se o empreendedor escolheu a praia certa (um nicho de mercado promissor), vestiu a roupa ideal (muniu-se de conhecimentos sobre a área em que pretende investir),  passou o protetor solar (está em dia com a burocracia e a legislação), parafinou a prancha (identificou um diferencial para o seu negócio) e pegou a onda (aproveitou as brechas criadas pela crise), ele certamente está surfando. Nem todo mundo, porém, consegue seguir em pé na prancha: muitos tomam um belo 'caldo' e podem até se afogar.​

 

Para não correr esse risco, o empreendedor precisa saber que para cada problema, há uma oportunidade. A consultora Ana Carolina Merighe, fundadora da Innoveur Consulting, consultoria especializada em Desenvolvimento de Mercado para Startups, argumenta que o momento de crise é também de novas perspectivas, quando o dinheiro muda de mão. “Quando está tudo bem e o mercado está quente, você acaba não dando tanta atenção à inovação, a coisas que você poderia estar fazendo melhor. [A crise] é um momento em que as pessoas ─ até por imposição e por necessidade ─ ficam mais abertas à inovação, a aceitar outras soluções, então, isso é uma oportunidade”, expõe a empreendedora, membro da Anjos do Brasil, uma organização sem fins lucrativos que apoia o desenvolvimento do empreendedorismo de inovação.

Foto: Reprodução

Tais resultados refletem uma vida imersa no mundo dos negócios. Ana Carolina começou cedo: aos nove anos de idade, quando produziu ela mesma um presente para uma colega da escola. Todos gostaram da prenda e as encomendas começaram a surgir. A 'primeira empresa', de artesanato, contou com a ajuda da avó ─ que também tinha um pouco de artista ─ na hora de precificar os produtos. A família chegou a alertar a pequena empresária para o fato de que eles estavam caros. “Estão caros, mas estou vendendo. Tem gente que quer mesmo assim”, teria respondido a jovem, dando os primeiros sinais de que já parecia entender a dinâmica do mercado e a Lei da Oferta e Procura.

 

Para Ana Carolina o empreendedor é um solucionador de problemas. “Empreender é você ver o problema, querer resolvê-lo e melhorar a vida das pessoas impactadas por aquilo. Quanto mais pessoas tiverem aquele problema que você resolve, melhor”, analisa a empresária.

 

Marcelo Salomão também apresentou tino para os negócios desde muito jovem. Começou como 'sacoleiro', comprando produtos eletrônicos no Paraguai e os revendendo no Brasil. Juntou dinheiro e, aos 19 anos, fundou em 1997 a Gigatron, uma empresa de desenvolvimento de softwares para a indústria de calçados. Para ele, empreender é colocar uma ideia em execução, mesmo com dificuldades ou sem recursos financeiros. “Empreender é uma arte que compreende ideia, planejamento e execução”, explica.

Foto: Arquivo pessoal

Vários entendimentos e um só objetivo

Marcelo e Ana Carolina são dois empreendedores que definem sua atividade de maneira diferente: como resultado de planejamento e esforço ou como forma de auxiliar os indivíduos na solução de problemas. Ninguém está errado e essas não são as únicas compreensões possíveis para o fenômeno, pois elas variam conforme a vivência de cada um. É por isso que as tentativas de definições são inúmeras e antigas.

 

A palavra “empreender” surgiu na França, no século XVII, a partir do uso do termo entrepreneur. Para Dolabela, no entanto, o empreendedor existe desde que os humanos habitam a Terra e pela definição de Joseph Shumpeter, quem inovou e promoveu as descobertas da humanidade certamente empreendeu. Imagine só a resiliência de quem criou o fogo: quantas e quantas vezes esse humano friccionou o graveto ou bateu as pedras para poder alcançar o seu objetivo? Coragem também foi uma das características imprescindíveis aos navegadores de além-mar, que empreenderam ao desbravar o mundo, a fim de conhecê-lo.

 

Os riscos sempre existiram e o senso de liderança deveria estar sempre presente para conduzir as multidões. Até então, a atitude empreendedora estava relacionada à necessidade, principalmente de sobrevivência, mas pouco a pouco, o empreendedorismo passou a ser compreendido como uma atividade econômica e cultural relacionada ao aproveitamento de oportunidades: oportunidade de mudança por modelos que aumentem a lucratividade e a produtividade, e diminuam as disparidades econômicas; oportunidade de novos produtos e serviços que atendam às novas demandas sociais.

 

A ocasião certa e as oportunidades, inclusive em meio à crise econômica, são possibilidades que somente os líderes preparados e empreendedores de atitude conseguem encontrar. Pode parecer difícil de acreditar, mas as crises, atual e anteriores, se mostram um prato cheio de oportunidades.

A crise do 'ouro negro' e a 'sacada' de um mineiro

Durante essa época, muitas pessoas buscaram alternativas para economizar: alguns adotaram o uso das bicicletas, outros recorreram até à tração animal como meio de transporte. Em meio ao contexto adverso, Salim Mattar soube lidar com a ocasião e encontrou a oportunidade de abrir uma locadora de carros, a Localiza. Em entrevista a Fernando Dolabela, no livro A vez do sonho: Com a palavra, os empreendedores, Mattar dizia que todos o achavam louco, afinal, quem abriria uma empresa de locação de carros em plena Crise do petróleo?

 

Aos 23 anos, no centro de Belo Horizonte, com seis Fuscas, ele iniciou seu empreendimento. O grande exemplo e as ferramentas para viabilizar o sonho vieram do pai, libanês, com quem trabalhou desde os seis anos de idade, no armazém de gêneros alimentícios instalado em Oliveira, município localizado a 150 quilômetros da capital mineira.

 

 

Foto: Reprodução

O pequeno Salim Mattar não alcançava a altura do balcão de atendimento, mas ajudava seu pai, apoiado sobre uma caixa de sabão. Tinha horário para chegar ao trabalho, recebia salário e ainda sofria uma grande cobrança com os estudos. “Tínhamos que tirar as melhores notas. Quem não fosse o primeiro, tinha de acertar as contas com minha irmã mais velha. Seria uma vergonha para ela, uma professora, o irmão não ser o primeiro da classe”, conta o empreendedor.

 

Quando Salim tinha 13 anos, o pai faleceu.  Em pouco tempo o rapaz aprendeu que, quando há escassez, há também uma chance de ganhar dinheiro. 

‘O milagre econômico’ às avessas e um catador de latas visionário

No meio desse turbilhão, o empresário do ramo de transportes, Geraldo Rufino viu seu negócio ruir, em 1985. Os dois caminhões que ele tinha envolveram-se em acidentes num intervalo de tempo pequeno e não havia dinheiro suficiente para pagar os consertos. Não era a primeira vez que Geraldo quebrava.

 

Ele e sua família ─ pai, mãe e oito filhos ─ perderam a lavoura em Minas Gerais e se mudaram para São Paulo, para a favela do Sapé, na Zona Oeste da cidade. Geraldo tinha só quatro anos e vivia agarrado “à saia da mãe”, que faleceu dois anos após a chegada à capital paulista.

 

Para ajudar o pai feirante, ele começou a trabalhar em uma fábrica de carvão quando tinha oito anos. A jornada diária excedia a idade do garoto: eram 10 horas todos os dias. O emprego durou um ano, até o menino descobrir que o lixão lhe oferecia melhores oportunidades. Ser catador de latas era mais promissor.

 

Dos nove aos 11 anos, o garoto juntou dinheiro e o guardou em latas, as quais enterrou em um terreno baldio do bairro. Certo dia, ao voltar da escola, Geraldo e seus irmãos encontraram limpo o terreno, que havia sido vendido. Adeus latinhas, adeus economias.

 

Com o que sobrou em mãos, do último material vendido, o jovem empreendedor recomeçou: fez traves, colocou-as em um campo aberto, confeccionou uniforme e montou um time de futebol. Passou, então, a alugar o campinho para quem quisesse jogar uma ‘pelada’ contra o seu time. Prosperou, mas teve que gastar todas as suas economias pagando propina a um funcionário da Vigilância Sanitária que ameaçava fechar o boteco aberto pelo pai e que garantia a sobrevivência da família.

 

A história se repetiu: Geraldo partiu para um novo emprego, juntou dinheiro, e investiu na compra dos caminhões que quebraram em 1985. Sem condições de consertá-los, retomou a ideia da reciclagem, do tempo das latinhas, e desmanchou os veículos para vender as peças. Foi assim que Geraldo Rufino fundou a JR Diesel, a primeira empresa de desmanche legal do Brasil.

 

O empresário diz não se preocupar com as dificuldades da economia, pois elas são cíclicas e constantes: “tem dois lados da crise: o lado da mudança, que gera oportunidade, e o lado que vai sendo eliminado para a chegada do novo. Mas as pessoas ficam focadas naquilo que está sendo eliminado. É natural que, no mercado, uma empresa pare para que novas cheguem, a não ser que ela evolua, crie, empreenda”. Sob essa filosofia, o empreário continua aproveitando o que seria eliminado. 

Foto: Reprodução

A gangorra da economia e a lógica do compartilhamento

Até que a JR Diesel chegasse a esse patamar, ela e seu proprietário superaram ainda outras crises. Do governo José Sarney até o de Fernando Henrique Cardoso, houve a crise cambial, a implantação do Plano Real e a dívida líquida do setor público sobre o PIB aumentou de 30% para 41,7% entre 1994 e 1998. Nesse meio tempo, o então presidente Fernando Collor reteve a poupança dos brasileiros quando o desemprego era alto e a inflação chegava a 86% ao mês.  Uma proposta de ajuste depois de quase uma década de caos econômico veio em 1999 e consistia na redução do déficit nominal à metade, aumento dos impostos, corte nos gastos e obtenção de superávit fiscal primário.

 

A situação econômica brasileira melhorou no início do século XXI, com a consolidação do Plano Real, mas a crise econômica mundial não tardou a reaparecer.

A consultora Ana Carolina Meringhe morava nos Estados Unidos quando a crise “deu as caras”, e afirma que os efeitos da quebra da economia foram sentidos pelos norte-americanos até 2010-2011. Ela destaca que esse momento foi fundamental para o empreendedorismo, em especial o segmento da economia compartilhada.

 

Airbnb, Uber, Ebay e Trade Me são alguns exemplos de empresas que funcionam sob este modelo econômico, que consiste na sustentabilidade e no reaproveitamento. O especialista em economia compartilhada Gil Giardelli, estudioso de cultura digital com mais de 15 anos de experiência e professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica que hoje quase todos os segmentos da economia podem ser compartilhados: empréstimos bancários, serviços financeiros, locação de casas, aluguel de joia, vestido. “Essa sociedade em rede traz a era da abundância, onde você não tem que ter tudo, mas você pode ter acesso a coisas que antes ficavam restritas a um grupo social”, exemplificou, durante entrevista a uma rádio de São Paulo.

 

Segundo Ana Carolina, a crise de 2008 levou as pessoas a abrirem espaço para a lógica do compartilhamento. “A partir do momento em que você tem um aluguel para pagar e um quarto na sua casa está vazio, você fica muito mais propenso a abri-lo para alguém no Airbnb. Isso talvez não acontecesse antes, talvez você tivesse mais resistência, porque o dinheiro ainda sobrava no final do mês, então, por que você assumiria o risco de ter um desconhecido em casa?”, questiona.

 

Para compreender a importância do segmento de economia compartilhada diante de uma crise, basta analisar os números levantados pela própria Ana Carolina. No mundo todo, das 10 maiores empresas que atuam de maneira compartilhada (os chamados ‘unicórnios’), 76% foram fundadas antes ou durante a crise: 35% delas entre 2008 e 2010 e as demais, entre 2011 e 2012, ainda sob efeitos da convulsão econômica dos anos anteriores.

Tudo tem um lado bom, até mesmo a crise

Ao longo da história, vivenciamos crises motivadas por fatores totalmente distintos: produção e distribuição de um combustível fóssil, uma grande dívida externa, problemas de ordem cambial e fragilidades do capitalismo. A crise econômica mais recente passou uma temporada na Europa e aportou, mais uma vez, no Brasil.

 

Desde 2014, a economia adoeceu: Inflação de 10,67% em 2015; retração no PIB de 3,7%; cotação do dólar na casa dos R$ 4,00; taxa de desemprego de 8,7% no terceiro trimestre de 2015.

 

No entanto, mesmo diante de um cenário delicado, o economista Ricardo Rocha cita o aumento de 26% no percentual de venda de carros usados, em relação aos anos anteriores, o crescimento na procura pelos serviços de oficinas mecânicas, já que as pessoas optam pela manutenção em vez da compra de um carro zero, além da alta nos setores de consertos de roupas e calçados, de food trucks, de reforma de casas e apartamentos e de comidas saudáveis.

 

A economista Aline Correia também dá uma boa notícia: “a taxa de câmbio desvalorizada, além de estimular o setor exportador, especialmente o de commodities e de produtos agrícolas, está promovendo a substituição da importação de muitos produtos industrializados pela produção nacional”, explica.

 

Não só os otimistas, mas economistas, empreendedores e contabilistas destacam aspectos positivos da economia em crise para o desenvolvimento de novos negócios e setores. Aline fala de ‘seleção natural’, reforçando a ideia de que os mais fortes sobrevivem, enquanto Ricardo avalia que a crise faz uma ‘faxina no mercado’. Ele destaca que a crise força o empreendedor a se capacitar, como uma estratégia para “blindagem” a fim de que seu negócio não sofra os impactos. Como exemplo, cita as ‘empresas de alto impacto’, ou seja, aquelas que têm um crescimento superior a 20% por três anos consecutivos. “Esse pessoal sofre menos, porque está mais capacitado. Não é que eles estão dando as costas para a crise, mas eles reinventam seu negócio cada vez mais”, justifica.

Capacitação é a palavra de ordem

Foto: Beatriz Vital

O Instituto de Especialização em Vendas (IEV) resolveu não somente não dar as costas para a crise, mas ir além, procurando atuar em um ponto nevrálgico dela: vendas. Em julho de 2014, Thiago Concer e Victor Vieira, do Instituto de Especialização de Vendas (IEV), uniram forças para capacitar vendedores, provando que o sucesso no setor depende de 'ciência', de técnica, e não do ‘jeitinho brasileiro’.

 

Victor foi balconista, vendedor porta a porta, representante comercial, gerente comercial e diretor comercial e só depois de passar por diversas etapas no setor e colecionar experiências, resolveu compartilhar os conhecimentos na capacitação de potenciais vendedores. Thiago trilhou o mesmo caminho e com o know-how dos dois, o Instituto já está em seis cidades e a projeção para 2016 é de expansão por meio de um sistema de franquias. O IEV realiza congressos, workshops e cursos de especialização com a finalidade de investir na capacitação profissional, algo fundamental na economia em crise. “A crise não vai inibir o crescimento do empreendedorismo, mas ela vai forçar as pessoas a se capacitarem”, defende Ricardo Rocha.

 

Rogéria Pinheiro identificou essa tendência após trabalhar 11 anos na Teresa Perez Tours, pioneira no setor de viagens de luxo. A empresária conta que, após a consolidação da sua carreira, percebeu uma demanda pela capacitação no mercado de agência de viagens. A ideia foi trabalhada e, em 2011, a Rogéria Pinheiro Travel Education (RPTE) nasceu com foco em treinamentos de destinos, vendas e atendimento ao cliente. Rogéria explica que o mercado de turismo é muito “amador” quando comparado a outras áreas, por isso a principal dificuldade é convencer os empresários sobre a necessidade de profissionalização, capacitação e estruturação, o que exige investimento.

 

 

Foto: Arquivo pessoal

Se a previsão de Ricardo Rocha estiver mesmo correta, o IEV e a RP Travel Education têm ainda muito para crescer.

O investimento e a economia para pegar a onda

A N Mind também contribui com aqueles que precisam vender mais, mas por meio de informações. A startup atua no setor de inteligência de mercado, que tem como objetivo pesquisar, estudar e reunir informações relevantes para que uma empresa possa traçar estratégias sobre seu mercado de atuação, seus clientes, seus produtos, entre outros.

 

Com uma equipe de quatro pessoas, a N Mind começou há apenas seis meses. Matheus Fahel, fundador e responsável pelo Marketing da startup, explica que a empresa mapeia toda a saída de produtos em estabelecimentos como restaurantes, bares e baladas. “Com esses dados, sabemos a hora que a pessoa entra no estabelecimento, o que ela bebe, a ordem de consumo, o ticket médio”, explica Fahel. Com os dados em mãos, as empresas conseguem verificar onde as vendas estão em baixa e buscar as motivações da queda.

 

O empreendedor ressalta que oferecer algo que representa um custo adicional para uma empresa, como faz a N Mind, é um desafio. “Tivemos que provar para os empresários que investir no nosso produto iria significar economia em médio e longo prazo”, relata Fahel. Ele ainda esclarece que quando se trata de crise, o empreendedor precisa saber remar junto com ela. “A maioria dos produtos hoje é para economizar, otimizar, melhorar algum processo de uma empresa. Tem que saber usar a crise para isso”, conclui Matheus.

 

Se buscar entender as motivações na queda das vendas ou investir em capacitação é uma das maneiras de superar a crise, economizar é também uma boa opção. Pensando nisso, a carioca e economista Nara Iachan, motivada pelo seu gosto por poupar os gastos criou a Cuponeria, uma multiplataforma de descontos no modelo norte-americano, com cupons livres, gratuitos e fáceis de usar. Se deu certo? Em novembro de 2015, foram 600 mil cupons emitidos “Crise sempre incentiva as pessoas a procurarem novas formas de economizar”, destaca a empreendedora.

 

Sendo assim, inovação, capacitação e planejamento são as pranchas sobre as quais os empreendedores devem treinar para conseguirem surfar a onda da crise. “Quem inova é o último a entrar em crise e o primeiro a sair”, afirma o professor Gil Giardelli.

Permanecer em terra firme antecede o lançar-se ao mar

Conhecer as histórias de empreendedores que encontraram oportunidade em meio à crise pode transmitir esperança e servir de inspiração aos que visam a um “lugar ao sol” no mundo de negócios. No Brasil, por exemplo, três em cada quatro profissionais almejam empreender, segundo indica a pesquisa “Empreendedores brasileiros: perfis e percepções” (2013), da Endeavor Brasil, uma organização sem fins lucrativos de estímulo ao empreendedorismo. Segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor, empreender é o terceiro sonho dos brasileiros, perdendo apenas para o da casa própria e viajar pelo Brasil.

 

Mas, cuidado! O mito do empreendedor seduz e o sucesso de grandes empresas pode parecer fácil de ser alcançado. Não é bem assim, já que apenas 34,5% dos brasileiros entre 18 e 64 anos têm empreendimentos. O baixo percentual de empreendedores no Brasil pode ser explicado por uma série de dificuldades diárias que atrapalham a vida do empresário.

A questão burocrática é apenas um dos desafios. Por mais que o governo crie programas que estimulam a formalização do empreendedor, não há incentivo. Israel, por exemplo, é país é reconhecido internacionalmente no setor tecnológico, já que investe 4,5% do seu PIB em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) como política pública a fim de incentivar a inovação e o empreendedorismo. Invenções israelenses como os microprocessadores Centrino e Pentium 4, da Intel, o software ICQ, o pen drive e o firewall só foram possíveis graças ao investimento direto de US$ 100 milhões em empresas de tecnologia, na década de 1990. Em 2009, Israel atingiu a marca de quase 4 mil startups funcionando no país.

 

No Brasil, a prioridade em investimentos impede que os brasileiros copiem modelos como o israelense. Contudo, a demanda por um debate sobre o empreendedorismo como forma de desenvolvimento e valor cultural pode contribuir para o fim do mito do sucesso e da ilusão de tantos brasileiros, que se aventuram e fecham seus negócios rapidamente.

 

Ana Carolina assegura que, apesar das diferenças nas políticas de desenvolvimento, empreender não é fácil em qualquer lugar. “O pessoal adora se iludir, criar mitos que em tal lugar é perfeito. Não é perfeito, os problemas são diferentes, o nível que esses problemas afetam seu dia a dia são diferentes, em alguns lugares são mais favoráveis. No Brasil, a parte regulatória é muito chata, ela impede inovação, ela emperra”, relata a consultora que já experimentou empreender na Europa e nos Estados Unidos.

 

Quem está na labuta há mais tempo, garante que, mesmo com as dificuldades atuais, a conjuntura é mais favorável. Marcelo Salomão começou sua jornada em 1997 e avalia que o cenário que o Brasil vive é sinônimo de oportunidade para quem possui visão de longo prazo, já que as informações estão disponíveis gratuitamente em vários canais, principalmente na internet. 

 

Fernando Dolabela também acredita que a disseminação de conhecimentos em relação ao tema é importante para a consolidação do empreendedor. “Hoje existe um grau de ausências de segredos maior, ou seja, empreender há 50 anos, era um negócio mais para protegidos do que para empreendedores. Não se sabia o que era capital de risco. Hoje você tem oferta de capital de risco, de investidores-anjo, existe uma conjuntura que está mais forte”, avalia o professor.

 

Empreender com sucesso no Brasil, apesar do aumento das informações e conhecimentos compartilhados, ainda se reduz a um pequeno percentual de investidores, já que nem todos estão preparados para “surfar a onda”. Mas esse baixo número de experiências de sucesso não é responsabilidade unicamente do empreendedor. 

A escola de surf para as ondas brasileiras

Temos o hábito de associar a ideia de empreendedorismo ao modelo norte-americano, do Vale do Silício. É inegável que o Vale é referência, mas o sucesso do empreendedorismo nos Estados Unidos, exemplificado por crianças que começam cedo, vendendo limonada em frente de suas casas, está ligado à lógica protestante enraizada no país.

 

O economista e um dos fundadores da Sociologia, Max Weber apresenta o empreendedor como um tipo social obstinado pelo trabalho, portador de ética, com firmeza de caráter e capacidade de ação. Seus estudos, que envolviam o protestantismo - religião cristã originária na Europa, no século XVI – explicam essa maneira capitalista de atuação do norte-americano. Os Estados Unidos, cuja colonização foi feita por protestantes europeus, se dão muito bem com o empreendedorismo.

 

Ao ser compreendido como um fenômeno cultural, os modelos de empreendedorismo podem deixar de ser importados para adquirir contornos brasileiros. Essa transformação dispenderá energias, já que é quase unânime entre aqueles que tentam abrir seu negócio: falta incentivo ao empreendedorismo no país.

 

No Brasil, a tentativa de garantir a formalização do empreendedor e a desburocratização de sua vida contábil e tributária contrastam com a ausência de políticas públicas que proporcionem melhor estrutura física, de materiais, de conhecimento e de globalização aos empreendedores em potencial. Aceleradoras e incubadoras, projetos de iniciativas privadas, têm impactado de maneira significativa o ecossistema empreendedor e a sociedade brasileira.

Além da falta de incentivo, o Brasil ainda está engatinhando nas questões que envolvem a educação como ferramenta que pode promover o empreendedorismo, afirma Marcelo Salomão. “É importante lembrar que empreender não significa ser dono do próprio negócio, mas é possível ter vários funcionários empreendedores”, complementa o empresário. A contadora Neide Nascimento defende a criação de uma organização que leve educação empresarial aos empreendedores, que poderia ser mantida com as taxas e impostos cobrados dos próprios empreendedores.

 

Segundo a pesquisa 'Global Entrepreneurship Monitor - Empreendedorismo no Brasil” (2014), 86,6% dos empreendedores não procurou nenhum órgão de apoio para obter informações e conhecimentos a respeito dos negócios. Isso contribui para o despreparo dos negócios e um alto número de baixas em períodos de crise. Fernando Dolabela trabalha com educação empreendedora e garante que se o Brasil quiser se tornar um “país empreendedor”, deve trabalhar com a educação básica.

 

Enquanto o Brasil não cria ferramentas eficazes para que as ideias se tornem negócios, a educação se torna o melhor empreendimento. Para os tempos difíceis, inovação, capacitação e planejamento - frutos de uma boa educação - poderão trazer equilíbrio ao caos. Além disso, criatividade e uma boa dose de coragem nunca fizeram mal a ninguém.

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